Desafio Literário do Tigre – Janeiro 2, fevereiro 1 – Os miseráveis

Hey!

Começa hoje o feriadaço de carnaval. Com tempo de sobra, vou dividir com vocês minha experiência de leitura de Os miseráveis, do Victor Hugo (autor de O corcunda de Notre-Dame, Os trabalhadores do mar, entre uma cacetada de outros).

Apesar de saber da existência dessa obra, nunca tinha passado pela minha cabeça encarar a leitura tão assim de repente. Eu assisti a um vídeo no canal da Tatiana Feltrin e ela citava Os miseráveis como um dos melhores livros que ela já leu, etc. Outras pessoas já tinham expresso a mesma opinião, e daí foi.

O que eu vou colocar aqui, a princípio, são as minhas anotações no durante a leitura, na minha caderneta de escrever, desenhar, pintar coisas, eis um registro:

Praticar a escrita à mão é preciso :)

Praticar a escrita à mão é preciso 🙂

Dividi o “diário” de acordo com os tomos do livro. [Pode conter spoilers, dependendo do que vc considera spoiler e se isso realmente influencia na não-leitura de um livro]

1. Fantine

O que mais me chamou a atenção no romance até agora é o modo como Hugo vai “juntar as peças” nessa enorme narrativa. O capítulo introdutório (ou livro introdutório, melhor) ao mundo dos miseráveis dá extrema atenção ao personagem Charles Myriel, ou D. Bienvenu, como fica conhecido momentos depois. Esse cara é crucial na vida de Jean Valjean que será extremamente necessário para Fantine, personagem que dá nome ao tomo. Entretanto, Fantine demora a dar as caras, aparecendo apenas no livro terceiro! Isso só demonstra a habilidade do escritor com relação à tessitura da narrativa, sem contar o modo surpreendente como descobrimos o que aconteceu com Jean Valjean. O destino de Fantine é demais de triste. Estou curiosa para saber o que houve com sua filha, Cosette. (11 de janeiro de 2015).

Adicionando: Só para dar uma aprofundada, o Jean Valjean é um ex-forçado. Ele cumpriu 19 anos de prisão nas galés por ter roubado um pão para dar de comer a seu sobrinho. A pena não era tão severa, mas as sucessivas tentativas de fuga de Jean fizeram-na chegar aos referidos anos. Isso acabou embrutecendo-o, tornando um cara fechado e frio, em grande parte das vezes. A bondade do Bispo de Digne (Charles Myriel, D. Bienvenu, como queiram) vai mudar totalmente o destino e o comportamento de Jean.

2. Cosette

Nessa parte do livro, pude compreender melhor por que Victor Hugo traz tantos detalhes sobre o Bisbo Bienvenu em “Fantine”. Segundo minhas observações, Hugo nunca esquece as bases: o bispo é a base, a fundação crucial para Jean Valjean, até agora crucial para o romance, o grande (anti?) herói, se podemos chamá-lo assim.

“Cosette” inicia com uma minuciosa descrição da batalha de Waterloo (nota posterior: segundo Vargas Llosa em estudo sobre Os miseráveis, Victor Hugo romanceou pra caramba essa parte. Não importa, é sensacional!). A batalha de Waterloo é base para contar a história dos Thénardier, que serão ligados à vida de Cosette. 

Também nesse tomo, ocorre a ruína da prosperidade de Jean Valjean, ainda sob o nome de Sr. Madelaine, levando-o para as galés e colocando-o em nova fuga. Finalmente, como prometeu, toma conta de Cosette.

Ainda, temos o relato minucioso sobre o convento onde Jean e Cosette se refugiam e causa em Jean uma certa perplexidade: as inocentes beneditinas em uma vida de sacrifício e punição, tal como ele estivera, culpado, um dia nas galés. 

Adicional: Os eventos que levam Jean Valjean a tornar-se Sr. Madelaine ocorrem por causa da influência do Bispo. Com certeza, a sua ruína, a sua “volta a ser Jean Valjean” é surpreendente. Uma das coisas mais tensas do livro.

3. Marius 

Gostei de todos os capítulos, tomos, eticétera, até o momento, mas essa parte dedicada ao Marius é, talvez, a mais emocionante. (Adendo: Não é emocionante por causa do Marius em si, segundo: os tomos 4 e 5 são os mais tensos, com toooda a certeza!). 

Primeiro, o panorama dos “moleques” de Paris. Segundo, os jovens revolucionários; criminosos, entre outros detalhes do “submundo”. 

Nesse tomo, há Marius, fruto de um casamento mal visto por seu avô. Órfão de mãe e afastado do pai, o menino cresce na companhia do avô e da tia.

Seu pai é Pontmercy, o soldado que foi resgatado – mas também roubado! – por Thénardier ali no tomo 2. Depois de descobrir que o pai sempre o observou de longe, nunca abandonando-o por completo, Marius simplesmente desenvolve uma fixação pela figura de Pontmercy, adotando inclusive seu sobrenome e também seus ideais, sua admiração por Napoleão. Pontmercy morre, mas não sem deixar uma carta para o filho, na qual pede para que sempre ajude o homem que lhe salvou, Thénardier, caso tenha a sorte de encontrá-lo.

As circunstâncias que colocam Marius, Thénardier, Cosette, Jean Valjean e Javert (adendo: um inspetor de polícia que tá sempre ‘vigiando e punindo’, cumprindo a lei a qualquer custo) em uma mesma moldura são impressionantes. 

Expulso da casa do avô por causa da divergência de ideias, Marius vive em extrema pobreza, superando-a com dificuldades para cair em uma dúvida crucial: ser leal à memória do pai e proteger Thénardier ou manter-se fiel ao seu amor secreto por Cosette? (25 de janeiro de 2015).

4. O idílio da Rue Plumet e a epopeia da Rue Saint-Denis 

Adicional antes do previsto: o Hugo tem uma queda por separar o que é bom do que é ruim, e esse tomo reflete uma separação entre o mundo de sonho que o Marius vive com a Cosette durante certo período e o mundo de sangue, revolta e sede de mudanças que é obrigado a atravessar.

Nesse tomo, o romance entre Marius e Cosette atinge um novo patamar. Enquanto um grupo de rapazes (Enjolras e seus amigos do ABC) favoráveis à República preparam-se para a revolta (que é a Insurreição de 1832), Marius parece viver em um mundo à parte, quando Eponine concede-lhe o endereço de Cosette. 

Em muitos capítulos, como já é hábito na costura de Os miseráveis, Hugo vai dar uma pausada na trama das personagens para apresentar-nos o cenário no qual estão inseridas e como as coisas mudaram até se chegar a esse ponto. O mais legal é que isso não quebra o clima da narrativa, pelo contrário, enriquece-o. 

Entretanto, a grande reviravolta desse tomo é quando Jean Valjean planeja mudar-se para Inglaterra (medo de perder Cosette para Marius). Marius, prevendo sua desgraça, a impossibilidade de viver longe de seu amor, decide colocar seu corpo e alma à serviço da Insurreição, atravessando a fronteira entre o idílio da Rue Plumet para as trevas e sangue da Rue Saint-Denis. 

Adendo: quando chega nessa parte você já tá infartando de tanta curiosidade para saber o final da história.

5. Jean Valjean (esse aqui é o tomo mais foda de todos. claro que depende dos outros para ter sua grandiosidade, mas aqui não tem alternativa: é ler até acabar).

Tenho a impressão de que, mesmo se não houvesse anotado a minha trajetória de leitura de Os miseráveis, ainda assim lembraria de tudo com muitos detalhes.

O quinto conjunto de livros é, disparado!, o mais emocionante. Primeiro, porque já é difícil conter a ansiedade de chegar ao desfecho, e segundo, pelos eventos que narra. Aqui, Enjolras morre por um ideal e Grantaire por amizade. Gavroche, morre. Eponine, morre. 

É quando Marius quase morre, todavia é salvo por Jean Valjean. Em uma batalha contra os inimigos e contra os esgotos de Parius (cuja fisiologia é toda narrada por Hugo), Valjean se vê obrigado a salvar Marius, por Cosette. 

Jean tem a oportunidade de vingar-se de Javert e matá-lo, mas liberta-o. A bondade de Jean nessa atitude leva Javert à loucura. O oficial de justiça já não sabe mais se as leis bastam para fazer o que é correto. Como um ex-forçado pode ter tamanha consideração? A crise entre seu dever com a lei e seu dever de ser humano acaba destruindo-lhe por dentro, levando-o ao suicídio. O sopro de humanidade pesou como um bloco de ferro em suas convicções tão engessadas.

Após vários acontecimentos surpreendentes, Marius é levado para a casa do avô onde recupera-se e obtém a permissão para casar-se com Cosette. Para o casal, o momento é de alegrias. (Adendo: o romance deles é a parte mais ‘deslocada’ do romance, porque não tem a força dos outros eventos)

Depois do casamento de Marius e Cosette, Jean Valjean decide contar a Marius (quase) tudo sobre o seu passado. Vendo o Sr. Fauchelevent transformar-se em Jean Valjean, ex-forçado, Marius sente-se obrigado a dificultar o relacionamento entre Valjean e Cosette. Até que (após diversos eventos proporcionados pelo acaso) se descubra a verdade, a face digna e honesta de Jean, ele fica muito mal. 

Compreende que se afastar de Cosette é necessário, mas ao mesmo tempo precisa vê-la. É apenas em seu leito de morte que o casal, tendo descoberto a verdade, vai visitá-lo e tenta restituí-lo de toda a felicidade perdida. Tarde demais.

Jean Valjean é o centro. Todas as personagens se cruzam por ele. É preciso voltar mais ainda: Jean Valjean é o que é por causa de D. Bienvenu. 

As circunstâncias que levaram Valjean às galés fez com que ele vivesse as mais variadas e infelizes aventuras. Seu progresso só o leva a ajudar os outros e, mesmo assim, a providência lhe devolve infelicidades, as quais recebe por conta de seu rótulo de ex-forçado.

Vai ser difícil encontrar um livro tão bom quanto esse pelos próximos anos.

Adeus, Jean.

Um dos momentos mais tensos do livro. Aqui, o Jean Valjean está contando a verdade sobre suas origens a Marius. "O nome é a pessoa" é uma frase de peso para uma personagem que passou o tempo inteiro tendo diversos nomes diferentes para negar sua condição de ex-forçado.

Um dos momentos mais tensos do livro. Aqui, o Jean Valjean está contando a verdade sobre suas origens a Marius. “O nome é a pessoa” é uma frase de peso para uma personagem que passou o tempo inteiro tendo diversos nomes diferentes para negar sua condição de ex-forçado.

Também por indicação da Tatiana Feltrin, comecei a ler A tentação do impossível, do Mário Vargas Llosa, uma versão adaptada das aulas que ministrou em Oxford sobre Os miseráveis. Nela, tem muita coisa sobre enredo e personagens. Pretendo comentá-la posteriormente, porque esse post ficou enorme e eu ainda quero fazer considerações sobre essas pessoas interessantíssimas que estão no livro.

Basicamente, tô órfã. Se vocês encararem o desafio, saberão do que tô falando.

Desligo!

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